E chove em São Paulo... Eu não
sou dada a tempo chuvoso, nublado, cinza e frio, mas eu consigo conceber a
necessidade deles – principalmente após o calor do Senegal que fez nessa terra
em que vivo – e da sensação de encerramento de um ciclo e início de outro.
E toda vez que chega março eu
lembro das águas de março que fecham o verão e que trazem a promessa de vida no
seu coração. "Águas de março" foi composta por Tom Jobim em março
(meio que óbvio) de 1972. O tema começou a ser trabalhado ao violão em seu
sítio do Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, região Serrana do Rio de
Janeiro – que vamos combinar, chove pra caramba – e de acordo com depoimento de
Thereza Hermanny, esposa de Tom à época, a inspiração para "Águas de
Março" surgiu ao final de um dia cansativo de trabalho provocado pela
composição de "Matita Perê" (futura parceria com Paulo César
Pinheiro), de onde decorrem os primeiros versos "é pau, é pedra, é o fim
do caminho".
Tom, ainda de madrugada, bateu na
janela e acordou a irmã Helena e o cunhado para lhes mostrar o primeiro
rascunho da letra, com a introdução e as primeiras frases, escritas a lápis em
um papel de embrulho de pão. Não surpreende que em um primeiro rascunho da
letra contivesse um grande número de referências pontuais: "o projeto da
casa", "a viga", "o vão", "a lenha", "o
tijolo chegando", "o corpo na cama”, ou seja, a pura preguiça (no bom
sentido).
De volta ao Rio de Janeiro,
concluiu a canção em uma tarde. Assim que a terminou, Tom passou no Antonio's,
um restaurante que frequentava e convocou todos os amigos que ocupavam a
varanda para ouvirem, na sua casa, a música nova.
Segundo consta, a canção teve duas
grandes fontes de inspiração. Uma é o poema "O caçador de
esmeraldas", do poeta Olavo Bilac ("Foi em março, ao findar da chuva,
quase à entrada / do outono, quando a terra em sede requeimada / bebera
longamente as águas da estação (...)") e a outra é um ponto de Umbanda,
gravado com sucesso por J.B. de Carvalho, do Conjunto Tupi ("É pau, é
pedra, é seixo miúdo, roda a baiana por cima de tudo").
E no fim é uma reflexão para o
fluxo da vida, do ano, dos meses... Quer representação de transformação maior
que as estações do ano? Num momento filosófico me atrevo a dizer que a vida é
uma estação mesmo... tem um período seco, árido, depois uma tempestade, umidade
pra no fim poder renascer saudável, mais uma vez.
Em qual disco você pode achar: Elis & Tom (1974)